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A língua segundo o dicionário


Artigo por Janaina de Aquino

Algumas pessoas permanecem resistentes em relação a mudanças na língua.

Lembro quando, ainda criança, lamentava imensamente pela perda do trema na língua portuguesa. Na minha cabeça, este mero sinal era responsável por enfatizar o efeito nasal da produção oral de palavras como cinquenta. Acha bem elegante - não me pergunte por quê. Como forma de rebeldia, continuei a aplica-lo em muitos dos meus escritos - exceto na escola, é claro. Com o tempo, na qualidade de uma leitora ávida, acabei passivamente me adaptando ao novo acordo e sequer me lembro mais como era antes dele.

Com a reforma mais recente, contra a qual muitos em Portugal ainda se prestam a opor e discutir o tema quase que diariamente, já não tive tanto problema. Em verdade, até gosto que palavras como ateia tenham perdido o acento agudo e, para ser sincera, acho estranho que algum dia o tinham!

Aí veio a Internet com seu linguajar particular das salas de bate papo (e hoje Facebook, Snapchat, Instagram e Twitter): kd, vc, kbça, naum, tbm, *_*, rsrsrs, vlw... e que exigia manuais de tradução para os pais, analfabetos nesta língua com a qual, aliás, cresci, mas, confesso, demorei a aderir. Talvez achasse tudo muito vulgar, afinal, com o nariz quase sempre enterrado em livros, estava acostuma com uma linguagem, digamos, mais refinada. Em outras palavras, aquela aparada pelos padrões estabelecidos.

Tolice.

Trata-se de uma escrita abreviada e simplificada, geralmente relacionada a fatores como o desejo de acelerar a conversa em programas de mensagem instantânea, por exemplo. Não é a hora nem o lugar para usar travessões antes de iniciar uma conversa, tal qual dita a norma literária. É um ambiente mais informal, onde se busca reproduzir virtualmente o ritmo de uma conversa oral. 

Foto: Mike Wilson

Em alguns casos, claro, acontece que esta linguagem pode vir a ser incorporada na nossa língua do dia a dia. Quem hoje não diz deletar em vez de apagar? Um artigo de estudantes da PUC-RS fala sobre isso. Sem falar que, todos os dias, surgem bordões a partir de vídeos virais (aqueles que se tornam altamente populares em poucas horas) que influenciam as conversas entre colegas de trabalho e de escola, antes emprestados das novelas. O tempo passa e ao poucos se troca a tela tradicional da televisão pela de um computador ou celular, de onde surge diariamente novas formas de se expressar ("tô me sentindo adorável!" em diante). É provável que a geração mais nova não saiba como reagir  e sequer saiba de onde venham jamanta não morreu, cada mergulho é um flash ou fenomenal, famosas na época em que as novelas ainda dominavam o cenário nacional.

Como observa William O'Grady, autor e editor do livro Contemporary Linguistics: an Introduction (2011), algumas pessoas desaprovam inovações na linguagem, pelo visto por acreditarem que nada de novo deveria ser permitido. Ele cita uma carta ao editor cujo(a) autor(a) se diz chocado(a) depois de ler uma frase publicada no jornal em que impact fora usado como um verbo, não substantivo. Ao seu ver, qualquer um(a) com um mínimo de educação ou em posse de um dicionário deveria saber disso. Diz mais: este é um caso notadamente absurdo e mais uma evidência do desmoronamento do sistema público de ensino, além do declínio da língua em geral. Ao fim, o(a) leitor(a) oferece um dicionário para os editores.

O'Grady bem lembra que línguas mudam, assim como dicionários - a quarta edição do The American Heritage Dictionary of the English Languages (Houghton Mifflin, 2000) lista impact como um verbo, assim como o Cambridge Learner's Dictionary (Cambdrige University Press, 2008). Ambos estao disponíveis online.

★★★

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